28.9.11

Sobre o Eixo de Convergência

Chuang Tzu, sec. IV a.C
Taoista chinês

Por Dr. Fernando Salvino (MSc.)
Parapsicólogo Clínico, Psicoterapeuta, Conscienciólogo



Disse Chuang Tzu:

"Cada pessoa é o que devia ser e pode viver com igual felicidade enquanto viver ajustada à sua própria natureza. Não há pessoas que sejam superiores e outras inferiores quanto a isso.


Há pessoas cuja natureza os torna aptos a assumir cargos de chefia, outras cuja natureza as faz serem bons negociantes, bons artesãos ou bons funcionários. Há quem tenha vocação para dedicar a sua vida a ajudar os outros e quem tenha jeito para pensar ou para investigar tudo.


Desde que respeitem a sua natureza, todas as pessoas podem fazer o que têm a fazer, com igual felicidade e sucesso no que fizerem.


Mas existe um limite próprio para cada uma a partir do qual tudo mais que possa ser desejado apenas levará a lamentações. Quem quer mais do que lhe é dado sofre inutilmente sem que ninguém o esteja a castigar. Quando nos prendemos demasiado às coisas, sentimos perdas e ganhos; e a alegria e o sofrimento são o resultado de perdas e ganhos. Só quem larga essas amarras se pode sentir verdadeiramente feliz. A única liberdade a que os homens podem aspirar tem que estar inserida dentro dos limites naturais da sua condição humana e da sua natureza. Só devemos tentar fazer o que podemos realmente fazer. A nossa liberdade de acção tem limites.


Quem não gosta do que tem, porque pensa que podia ter melhor, é desagradecido e é estúpido. Abdica da única liberdade que um Homem pode ter para optar em vez disso pela ansiedade constante de tentar ter o que nunca vai ter. Quem não gosta do que é, acabará por passar a sua vida frustrado, tentando ser o que nunca vai ser.


Aqueles que aceitam o curso natural das coisas ficam sempre tranquilos quer nas ocasiões alegres quer nas tristes. Quem apenas gosta da felicidade, sofrerá com a tristeza. Quem aceita com tranquilidade a inevitabilidade da morte, sabe tirar melhor proveito da vida. De que serve não a aceitar? Querer ter o que se não pode ter é ficar preso para sempre. Quem apenas gosta da vida, sofrerá com a morte. Quem apenas gosta do poder, sofrerá com a sua perda."


A via de Chuang Tzu evidencia o método taoista e a essência do pensamento chinês antigo, especialmente o I Ching, salientando uma vida sem excessos tanto para mais, como para menos. A aceitação e a compreensão da natureza das coisas não significa deixar a coisa andar em displicência. Significa aceitar as coisas como são, não forçar mudanças quando não se pode mudar algo, nem exigir mais de alguém ou de alguma situação além daquilo que ele ou ela pode dar. Compreender os limites das coisas, os limites pessoais e os limites das pessoas, até onde podemos ir com um e com o outro, sem exigir nem cobrar: compreender e diante disso, respeitar. A atitude de gratidão aparece como central no método e pensamento de Chuang Tzu, carregando até mesmo a noção de seu conceito de justo ou injusto. Olhar para o que temos, sentirmo-nos agradecidos diante de nossoas coisas e daquilo que somos, é a profilaxia da insatisfação crônica e da distorção da mente em privilegiar o que falta e o que não se tem, motivo de insatisfações, lamentações e angústia. Quando se aceita o que se tem, nem mais nem menos, vive-se melhor. Quando não se aceita devido a um excesso praticado contra nós, sem culpa e sem remorsos, se desapega e prossegue-se no Caminho. O apego é motivo de oscilações emocionais e também aparece como ponto central do pensamento de Confúcio. Portanto, ao apegarmo-nos ao poder, sofremos com o não-poder. Ao apegarmo-nos a  felicidade, sofremos com sua ausência. Ao apegarmo-nos no amor, sofremos com sua falta. E como diz Lao Tzu: "de ondem me vem este conhecimento do mundo?". Os taoistas indicam que vem do vazio, do silêncio interno, do wu-chi em cada um de nós. Após minha experiência com o Tai Chi Chuan e Chi Kun em mais de uma década, parece-me que o Eixo se trata realmente de uma vivência direta e não de um conceito propriamente dito. O eixo não é uma teoria, mas antes disso, provém de experimentos técnicos da ciência taoista (taologia). É evidente que, após uma prática de Tai Chi Chuan sinto-me muito mais lúcido, centrado e no eixo do que antes de iniciar. Existe uma expansão da energia, do tamanho da aura e da densidade, tornando-a mais forte e mais sutil, além de aumentar a autodefesa de forma geral, através da sensação geral de serenidade.

Cosmologia Taoista.
Diante disso, vem a base do taoismo, que não é nem o viver no SER nem o viver no NÃO-SER. E o que nos resta então? Viver no Eixo. E o sintoma do Eixo é a serenidade. Os serenões nesta ótica vivem continuamente centrados, melhor, holocentrados, quem nada os perturbe ou os tire do eixo. É isto que me parece significar viver em estado de desassedialidade total e permanente.

A noção de Eixo é bastante desconhecida no Ocidente, ao menos em Heráclito de Éfeso (Grécia), porém Heráclito vive na época de Lao Tzu e Chuang Tzu, ao que parece. O pensamento ocidental é dicotômico, ora polariza na existência, ora na não-existência. Ora polariza na vida, ora na morte. Diz de Deus e de um Diabo. Diz de um Céu e de um Inferno, diz da Terra e diz das Estrelas. Ora diz somente existir o Psíquico ou noutro momento, o Parapsíquico. Mente, matéria, cérebro, consciência... Vida e morte, existência e não-existência diferem no nome, mas tem a mesma e única fonte: Tao.

Tai-Chi e, no centro, Wu-Chi (o Eixo)
Agora, Tao não é Deus nem o Não-Deus, Tao é o eixo por onde circula tanto o ser como o não-ser, a vida e a morte, yin e yang. Tao é e ao mesmo tempo, não-é. Esta premissa é inadmissível para o pensamento aristotélico ocidental que parte do principio da não-contradição. No entanto o pensamento taoista afirma que uma coisa é e não é e adiciona um item, a de que todas as coisas são e não são porém sustentam-se num Eixo. E esse Eixo que não existe e ao mesmo existe em algum local, somente é acessível pela experiência direta de si mesmo através de métodos. Esses métodos fazem parte de um sistema complexo e pouco conhecido no ocidente.

Os métodos para acesso ao eixo pertencem ao campo da alquimia interna taoista, incluindo o Tai Chi Chuan, o Chi Kun, o estudo aplicado do I Ching, pelo qual muitos se debruçaram, dentre eles Confúcio e Lao Tzu. Deixando todo misticismo de lado, por que alquimia? É a transformação da energia bruta (caráter bruto do homem inferior, na escala de Confúcio) em energia superior (caráter superior moral, o sábio para Confúcio), potente mutação dos processos internos para níveis de consciência superiores, envolvendo práticas físicas e energéticas naturais como as citadas acima, nutrição, estudo e assim por diante. Não se trata de uma mística ou de alguma religião, se trata de um método com objetivos bastante claros e definidos. O taoismo me parece ser o único ramo do saber humano que consegue se posicionar nem do lado da religião, nem do lado da ciência, visto que o local onde habita é o eixo. De um lado temos as religiões (yin) e, do outro, temos as ciências (yang) e, no centro, o taoismo. Não falo do taoismo institucionalizado enquanto religião. Isto não é taoismo, mas um sacerdócio religioso que se apropria deste nome. Ao não se fixar numa ou noutra verdade, admitindo que a única realidade imutável é a mutação, qualquer conceito, teoria ou tentativa de definir, argumentar, contra ou a favor de alguma coisa, tese ou teoria, são apenas aproximações de uma suposta realidade inatingível pela linguagem, porém, atingível pela experiência direta. Diante disso, surgiram os métodos tão científicos como os que usamos em laboratórios, como o Neidanshu - 內丹術, ou a alquimia interna, sendo um modelo de circulação interna da energia (chi) de forma a criar o suposto elixir da longevidade dentro do próprio praticante. E pela prática, parece que algo vai se modificando com o tempo, no corpo e na energia, na mente e no estado de consciência. Passo a passo, a cada prática. Não é mística, milagre ou transcendência espiritual religiosa, mas resultados de um exercício rigoroso e que exige da pessoa modificações nos modos de pensar, no diálogo interno, no alongamento, no peso corporal, nas emoções, na concentração, na atenção e assim por diante. Coloco com isso, lado a lado, a Transciência enquanto outra forma de nomear o Tao e, o Taoismo a tentativa filosófico-metodológica de acessar os domínios do eixo e mesmo do Tao cosmológico.

Hunab´ku Maia e
sua semelhança com a
representação chinesa
do Tai-Chi.
Surpreendentemente, na mesma época vai se erguendo um sistema muito parecido com o taoismo, que é o sistema maia desenvolvido pelo clã Yaqui, Maia, tal qual informado nas obras de Carlos Castaneda. O sistema se fundamenta numa cosmologia multidimensional, cuja força cósmica maior é chamada de Intento. Isso significa um universo inteligente, holofenômeno consciencial, e uma cosmologia com consciência, ao contrário da cosmologia ocidental, destituida de consciência, fundamentada no Big Bang e outras teorias, apesar de atualmente as teorias admitirem um universo multidimensional, ou pluriverso, os buracos de minhoca, universos membrana e teoria de cordas. Para tal povo, o núcleo da galáxia, irradia o kuxan-soon, fios de energia consciencial que contém informações que se irradiam por toda a galáxia e podem ser captados através de métodos. O sistema admite as projeções para fora do corpo, tendo inclusive técnicas para a sua indução. O uso da percepção extrassensorial e do parapsiquismo consciente para o acesso do desconhecido e o que chamam de encontro com o Infinito até que ocorra o toque do Infinito, parece alcançar dimensões muito além do que as ciências atualmente abordam os fenômenos paranormais, ainda sem compreender o sentido de todos esses fenômenos.


Estamos convergindo para um mesmo e único núcleo, o mesmo Eixo; estamos sendo sugados para o mesmo e único "buraco negro", independentemente de qual linha estamos atrelados, e na essência as linhas são a mesma e única coisa: fios de um tear cosmo-consciencio-lógico de proporções icomensuráveis e incompreensíveis pela cognição humana, em nosso atual momento evolutivo. O reconhecimento deste limite, parece-me ser a base da modéstia e da atitude não-defensiva de qualquer sistema científico, religioso ou filosófico, mutante por natureza e impermanente. Neste sistema não existe verdade de ponta ou qualquer coisa do gênero, existem conceitos, idéias, teorias, representações, imagens, porém, tais são mutantes, como o são os hexagramas. E todas elas orientam-se a partir do mesmo e único Eixo. A criação de uma estrutura psiquica interna que sustente uma vida em que o paradigma é não ter paradigma, parece-me que nos direciona para uma vida mais livre e flexível, possibilitando o universalismo e a transversalidade, a aceitação da mutação, assim como a verticalidade, os relacionamentos entre diversos povos, crenças, religiões, ciências, pessoas, assim por diante, no respeito prático às diferenças e formas de ver a vida, pois todos tentamos falar das mesmas coisas com símbolos diferentes, cada qual em respeito às suas limitações e modos de ser e estar no universo, a natureza interna de cada um, nem mais, nem menos. Este modo ajuda na compreensão do Caminho (Tao) dos filhos, das(os) companheiras(os), amigos(as), familiares e assim por diante. Com isso termina progressivamente a imposição de caminhos e inicia a descoberta do caminho de cada um (Tao) a partir da virtude de cada um (Te).


Concluo neste momento com as palavras de Chuang Tzu: "Cada pessoa é o que devia ser e pode viver com igual felicidade enquanto viver ajustada à sua própria natureza."