25.6.13

Meditações Noturnas

Por Fernando Salvino



Compreendo, tento, mas no relento do vento,
Caminho, Sozinho
Rachado de cinzas
Queimadas de amores
Restos de um passado antigo,
Muito antigo,
Vidas e vidas e vidas e vidas
Lá longe....
Bem longe....
Onde desde lá existo e me sinto
Ainda como sendo
Eu mesmo

Amores de cor de púrpura
Amores de cor rósea clara
Amores de cor vermelho bonito
Amores de cores pastéis
Mágoas suaves de cor de mostarda
Rancores vencidos de cores amarronzadas
Raivas sublimadas de cores que estranho
E medos de sombras já clareadas pela luz sem fótons

Caminhando pelas ruas
Por dentro de mim mesmo
No noturno de minha noite
Vejo e sinto
Ando e ando e ando

E nada encontro

Encontro a mim em ti
E ti em mim
Uma sombra de um amor sem rosto
Um amor presente
No espaço sem espaço

Do sentimento escondido
Por vezes exposto
Por vezes acuado pelo medo de não poder ser
Exposto na coragem de existir
Entre os cantos sem canto de minha alma
Rodeio por dentro de mim
E nada de sólido encontro

Continuo andando,
E nada de líquido encontro

Por mais tempo caminho e caminho
E caminho e por alguns instantes
Corro e corro
E lá nem gasoso respiro
Mas por lá, me encontro
Aqui

Diante de mim mesmo
Oscilando entre o 1 e 2
Entre o 3 e 4
Entre o 4 e 5
E de tempo em tempo
Ao infinito

Caio e levanto,
Ergo-me como uma árvore
Que caminha
Como uma árvore
Que voa
Flutua e decola

E diante de mim
Infinito sem destino certo
Sem possibilidades concretas
Nem mesmo uma sequer matéria encontro
Uma sequer substância palpável
Que por mim mesmo eu possa
Tocar e sentir,
Como se estivesse num real de realidade
Tal como a ilusão de matéria nos faz crer
Que ser é ter-se a si
Ao invés de sentir-se a si sem ter

Óh Deus! Em sua inexistência tão existente
Sua ausência tão obviamente presente
Seu vácuo lotado de inexistência
Sua sublime natureza inundada de compaixão
Sua certeza incerta de um futuro sem fim
De um passado sem começo
E de um presente inexistente
Enquanto:
O agora sem tempo

Meditações sem rumo
Porém,
Cujo rumo se mostra na ausência do sentido
Na certeza do destino que se mostra
Tal como um porvir de pura angústia serena
De pura incerteza perante o tornar-se e o devir-se, ao ser que sendo,
Anda e anda, e sendo, nunca é... é... e é.... Ser que é sempre
Sendo
Tal como um possível Sol nascente que só por nunca ter sido
Torna-se puro sonho de ser

Existência,
Quando me dei conta
Eis que aqui parece que estou
Sentado, em pé, caminhando,
Tal como corpo sem consciência de quase nada
Que de tempo em tempo
Acha-se consciente de quase tudo
Mas, ainda, quase nada

Quase nada,
Se eu fosse um ensaio de algo
Eu poderia ser uma gota d'água mutante
Que ora se espalha e ora se contraí
Num oceano infinito
Sem bordas
Sem rumos
Sem fundo
Sem altura
Sem qualquer possibilidade de tornar-se
Um outro algo
Que não fosse além de mim
Eu mesmo

E diante de mim mesmo
Eu encontro a impossibilidade espiritual
De tornar-me algo que não seja um eu como eu,
Mesmo que diferente,
Mesmo que mais verdadeiro
Ainda serei o mesmo eu que sou
Ambíguo, benevolente e
De vez em vez,
Bravio, arredio e tendente a caminhar
Por este lar de Terra, de animais...
Esperando tão somente o momento de sair
Deste lugar, muito embora
Feliz, calmo
Sereno

Felicidade, eis que eu a sinto por ora
E por outro momento e perco tal como algo que me escorrega

Serenidade, eis que eu a sinto por segundos ou
Em determinadas vezes,
Por um instante sequer sem tempo
Mas eterno no sentir-me Uno
Com aquilo que não acredito que possa ser
Deus

E diante de Deus, eis que deparo-me
Comigo mesmo enquanto arrogante
Por negar algo tão óbvio
Mas algo tão impossível
De encontrar razão
Mas talvez mais simples
De encontrar
Sentindo

Caminho e caminho
Tanto por aqui
Como por acolá das outras dimensões
E nada e nada encontro que possa
Me dizer com tamanha solidez
Que a existência compreende a si mesma
Que Deus encarna a si próprio em sua inexistência diluída
Em sua onipresença impresente
Em sua inteligibilidade irracional, ambígua, calada
Muda, Bela
Falando a todos e quase ninguém ouvindo

Beleza,
Tanto a vejo que me sinto
Tanto a vejo que me calo
Mas também,
Tanto a vejo que vejo a feiura da maldade

Me encolho, me isolo, por vezes.
Para voltar a sentir,
O Belo.
E me aproximo,
Dos que amo,
Para voltar a ver o Belo no outro.

Pessoas,
Se não fossem as pessoas...
O que poderia ser eu, se não fosse tu?
Como poderia eu mesmo ser, se não fosse o outro?
Que diante de mim, existindo
Torna minha existência existente, possível?
Com sentido? E direção?

Amor,
Se não fosse por amor,
Como poderia em suportar viver
Num mar de maldade tão grande como é esta Terra tão linda?
Se não fosse por amor,
Como poderia eu suportar tanta dor deste outro
Que me atesta vivo? E só por atestar-me vivo
Torno-me grato?

E medito diante da gratidão que sim, é fonte
De uma serenidade sem tempo

Apesar de toda honestidade que aqui me assola,
Por aqui consigo ser
De um modo que não sou
De todo, como sou em ciência,
Preso, por vezes, em círculos racionais
Em vórtices fenomênicos,
De um modo que me invade a razão
De querer dar a sistema um sentido lógico
Para um Logos sem sentido!
Tao Infinito!
De um modo até mesmo que sou ao Outro
Que nada se parece como sou, aqui

Que esforço inútil tão bom é este,
De caminhar de braços dados com o Infinito
E poder confiar no que não vejo, mas que assim que posso, sinto
E mesmo assim,
Tentando compreender-me em minha infinitude,
Vivendo uma finitude, muitas vezes, chata,
Pedante, irritante, inquietante, motivante
Ainda sim, sabe eu que, nada saberei ao certo
Quem sou, de onde vim e para onde vou?

Morte,
O que é a morte senão um véu de ilusões?
Senão uma miragem de um escuro sem luz, um vácuo de medo irracional inexistente?
Senão um porvir infinito de continuidade do algo inalgo que sou? Que somos?
Uma continuidade do algo que sou e que não sabe o que e quem é ao certo?
O que é a morte senão o ápice imaturo do desapego máximo?
Ao ser ainda apegado nas trevas da ilusão da não-existência absoluta?
Do inferno eterno e da punição universal de uma ilusão infantil, o Deus dos humanos sem razão?

E novamente volto-me a Deus,
Brilhante em sua ausência de brilho
Cheio de luz em sua escuridão infinita!
E reluzente em sua maravilha inexistente, eternamente linda

Pois do Divino decorre a Vida e
Pela Vida percorre o Divino
E diante do Divino, o Mistério dos Mistérios
Que tudo inunda e tudo atravessa, tudo esbanja
Tudo conecta, tudo se funde,

Eis que me centro em mim, só
Sinto, mal penso,
Entendo, mas mal raciocino
Compreendo, mas conta alguma eu faço
Acolho e agradeço, mas não sei a quem e a que
Recolho-me em gratidão, em silêncio

Pois que o mistério da vida parece
Puro Silêncio

Se dá naquilo que as palavras mal sabem
Que as palavras tateiam mas não tocam
Que o som toca mas ninguém escuta
Que as palavras apontam, mas não sabem
Que as fórmulas tentam expor, mas nada dizem
Que as naves atravessa anos-luz, mas em nenhum lugar realmente chegam
Que os espíritos mesmo aparecendo nada ainda dizem
Que as teorias e hipóteses formulam, especulam,
E o Divino ainda ultrapassa
Todo e qualquer modo de conhecer, saber
E a ciência, infância de um infinito irracional

E pelo puro Sentir
Se pode saber,
O que é o Ser
Mesmo sem entender

E pelo puro Sentir
Se pode amar
E compreender o amar
E diante do amar,
Eis que encontramos
O Outro
E o si mesmo,

Self de puro espírito

E diluído no vácuo cósmico
Lúcido
Sem corpo, sem forma, num espaço infinito
E num tempo sem começo e sem fim,
Encontro-me diante de minha natureza mais natural
Perto das estrelas,
Perto da aurora cósmica
Lá, onde não se sabe onde fica

E para onde, de tempo em tempo,
Vou, para sentir,
A mim mesmo
O eu sou, o eu existo.
Aqui, em tudo.
Na fonte do amor sem forma.