28.7.11

Sobre o Autismo e a Ausência de Metáfora: Do Arquétipo Narcísico Primário em Direção ao Arquétipo do Self

Por Dr. Geraldo Sarti (MSc)
Parapsicólogo, Pesquisador da Consciência, Engenheiro
Engenheiro Mecânico, Esp. Física e Mestre em Engenharia Nuclear
Presidente da ABRAP - Associação Brasileira de Parapsicologia

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ATENÇÃO : o autor deste  ensaio é parapsicólogo e não  expert  no assunto “ autismo “, embora muita atenção tenha sido dada por ele ao  estudo amplo e cronológico do “autismo “. Pessoas  abalizadas , nas áreas das ciências  neuro-psicoterápicas e pedagógicas, foram consultadas e não manifestaram nenhuma indisposição profissional  com relação ao tratamento dado aqui ao tema central, muito ao contrário.
O conceito de “autismo “, formulado por Leo Kanner em 1943, aproveitando  termo  original  de Bleuler e Freud, é aqui estudado de forma muito geral e com as especificidades casuísticas sendo praticamente abandonadas. Por isto, talvez possa situar-se na esfera de uma “ filosofia do autista “.
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“As palavras  ou a língua, escrita ou falada, parecem não ter função alguma no mecanismo do meu pensamento. As entidades psíquicas servindo como elementos no meu pensamento, são certos signos e imagens, mais ou menos claros, que podem ser reproduzidos e combinados intencionalmente (voluntarily). Naturalmente,há certa conexão entre esses elementos e conceitos lógicos relevantes.  É claro, também, que o desejo de alcançar conceitos logicamente interligados constitui a base emocional desse jogo bastante livre ( rather vague play ) com os elementos acima mencionados.. Contudo, do ponto de vista psicológico, esses jogos combinatórios parecem constituir o aspecto essencial do pensamento produtivo – antes que surja alguma ligação com construções lógicas verbais, ou outra espécie de signos que possam ser comunicados  a outros”. Albert Einstein


Com  “ A Máquina de Abraçar”, peça teatral de José Sanchis Sinisterra, protagonizada por Mariana Lima, esta pôde sintetizar, sobre sua personagem autista, a concepção  “...o autista não faz metáfora”.

Como é de amplo  conhecimento, a metáfora, é um dos dois elementos essenciais na formação da linguagem, junto à metonímia. As duas são as formas complementares da formação do inconsciente lingüístico de Lacan-Jakobson , consideradas as condensações metafóricas por similaridade e os deslocamentos metonímicos  por  contigüidade, do inconsciente freudiano. São as duas formas da associação livre  verificada por Jung.
Não absorvida pela criança, qualquer que seja a  suposta causa orgânica clássica e paralela, a linguagem completa do desejo do Outro, ou a linguagem materna, ou do Supereu inconsciente, dominador sobre e pela criança,   desenvolvendo-se em geral na sua completude articulada e reprimida, metafórico-metonímica, o autista, ao contrário,  é, unicamente,  o desejo puro do Outro, a intenção “alheia”,  sem a linguagem materna intermediária , e está imerso no mais puro inconsciente do autocrático Supereu., este sem repressão e outros mecanismos secundários de defesa.

É a metonímia lacaniana, que isoladamente, sem a metáfora, não se situa no registro do Simbólico e é a manifestação fundamental básica do Desejo  estruturado  no Inconsciente.

O autista, estando além da ordem simbólica e da linguagem, não forma  o Eu  sob a repressão imposta pelo Supereu . O Eu não surge e o autista está fundido telepaticamente ao desejo do Supereu , o  que não sofre  repressão por ser biologicamente exterior ( opinião público-social).

Entretanto, o autista é um ser, bio-cerebral  local dentro da atmosfera  quase  não-local  mental do Supereu , mais próximo do  Self transpessoal e coletivo da psicologia profunda do  Jung que  do self psicanalítico de Hartmann e Kohut ou do selbst de Freud.

E assim, nesta atmosfera externa, telepática e empática, um ser único e isolado, estará exposto a todo tipo de influências, desde os desejos do Outro às informações fragmentadas ( embora  individualmente pré- articuladas pela  síntese-memória-pré consciência Pcs  )  mas aglutinadas nestes desejos. Neste sentido, o autista é um telepata, extraordinariamente conhecedor do que está além de si, do que está fora das incapacidades perceptivas dos seres conceituais, reprimidos e falantes como nós. O autista é espacial. Esta é sua especialidade.

Toda a seletividade e percepção parcial  autística da informação  fragmentada mas aglutinada no desejo geral  torna-se decorrência da não funcionalidade paranormal em termos de complemento bio-cerebral atual, haja vista que o recrutamento  neural, cortical, dispararia e desorganizaria  totalmente a atividade eferente, tal como a hiperatividade que os acompanha, em geral, e que resulta em comportamentos estereotipados e repetitivos, como forma automática  em circuito de “auto”- controle , equilíbrio e homeocinese .

Em síntese, o autista é localmente cerebral  imerso em um conjunto mental não-local para ele (ou quase-não local no sentido físico). Deve ser dito que a não-localidade envolve o tempo, também não-local e, neste sentido, o autista é também precognitivo /  psicocinético, dentro do sistema em que se encontra.
 No mínimo, o autista é um ser humano quântico e poderia ser endeusado e “ouvido” em seu mutismo expressional. A difícil aquisição da linguagem materna o transformaria em um psicótico, Mas, como ouvi-lo enquanto ele mesmo ? O que nos seria revelado?

Em outros termos, a associação por contigüidade  prevalece sobre a associação sintética por semelhança, e os objetos da mente autística são sempre parciais e seletivos das  informações individuais simbolicamente articuladas ( pré-conscientes próximas do sistema Cs) que estão  desagregadas entre si  mas  metonimicamente  suspensas ou suprimidas  no desejo do Outro e não pelos mecanismos repressivos do ego.

A expressão interna do autista torna-se , assim , impossível de ser formulada por ele , de maneira inteligível para os “falantes conceituais” sob repressão e mecanismos secundários de defesa do ego ( articulações lógico - lingüísticas ).

Neste sentido, o autista estaria além das nossas possibilidades de conceituação. Habituais.

A introdução forçada  e repressora , através da educação e da terapia, da metáfora associativa, em uma matriz autística dela desprovida, ( muito difícil de ser alcançada ), e uma conseqüente erupção do sujeito oral ,de  tal forma que possibilite a prova de realidade ao  ego-consciente, repito, a  pretensa “cura”  clássica de  uma característica em ascensão, não deverá  ter outro destino que não a psicose. Lacan deixa isto  parcialmente claro  em Écrits, “D’une Question Préliminaire à Tout Traitement  Possible de La Psychosis “, pág 577, traduzida por Nasio, J.D.  em “ La Forclusion Locale : Contribution  à la Théorie Lacanienne de la Forclusion “ como sendo : - “Para que a psicose se desencadeie, é preciso que o Nome do Pai,  foracluído,  jamais vindo no lugar do Outro, seja chamado aí em oposição simbólica ao sujeito. ( Talvez esta descrição lacaniana possa ser melhor compreendida sob o nome de   ‘psicose simbiótica’ )

A predominância marcadamente metonímica no autismo, impeditiva das associações por similaridade e do vislumbre da prova do Real, conduz o autista a viver o inconsciente puro,  saltando para  cima um sujeito completamente narcísico e primário,  sem noção  da dor biológica e da sobrevivência  ( não deverá sentir nem a dor biológica nem a necessidade, do Outro ). Por isso aparenta frieza e desprezo expressionais e inadaptabilidade social.

Um esquema psicanalítico mental de referência seria:

  ID   → EGO →→→   ← SUPEREGO
                                              
−−− −−−−−− SELF-OBJETO−−−−−−−−−−−

O esquema  da mente autista seria como a seguir:

→→ ID PRÉ-NATAL→→→→  ← SUPEREGO
                                                                               
−−−−−−−−−OBJETO−−−−−−−−−−−−−−−−SELF TRANSPESSOAL  UNIVERSAL                                              NÃO- LOCAL  −−−− VÁCUO i     

Esta  característica espacial,  que está sendo considerada  uma  “capacidade superior”, pode ser descrita, do lado de fora, por nós, como perceptiva  e transgressora da 2ª ordem das informações coletivas do inconsciente tirânico superegóico   e  mais além, na direção de uma  3ª ordem ditada pelo arquétipo transpessoal. Para mais , só poderá ser encontrada a gama infinita de símbolos ao acaso, informações e probabilidades quânticas, que pode ser considerada como um nível adimensional a que normalmente ou conceitualmente não se teria acesso pela ausência de qualquer sistema que seja, nem mesmo associado ao desejo e que poderá ser confundido com o vácuo.

Traçando uma analogia futebolística, “o autista é um ser que, estando em um jogo de futebol, desconhece as regras do futebol, é o objeto do desejo da torcida, sabe tudo  o que está suprimido dentro deste desejo, inclusive o resultado do jogo, mas não o revela, por desconhecer suas regras”. E, por desconhecê-las, as supera.

Devemos acrescentar, finalmente, que o conteúdo deste ensaio tem respaldo concreto em alguns aspectos científicos pontuais, mas dignos de consideração, tais como :

A-   O  conceito de mãe-geladeira de Kanner, associado à síndrome, tomado, não no sentido da frigidez materna, mas no da ausência de intermediação lingüística entre a mãe e o filho. Ao contrário, o chapamento amoroso entre ambos prevalece sobre a  interlocução e a ordem simbólica completa e, fica claro que o desejo materno de inseparabilidade é fundamental.  Talvez tenha-se que rever muito sobre o desejo  feminino de ter um filho  e sobre a própria natureza psicológica da mulher.
B-    O desempenho e o interesse superiores dos autistas nos testes psicométricos não-verbais de alta performance  e criatividade ( conforme  Butcher) de Wechsler. Mais especificamente, seus rendimentos elevados em WAIS III e WISC III, para Cubos e Percepção Tridimensional      (provavelmente incluindo raciocínio matricial em Wechsler ).
C-    A não aplicabilidade, óbvia, dos testes verbais de Binet- Simon e suas variantes alpha e beta  Stanford- Binet para  as forças armadas norte-americanas, como  formas de mensuração de QI dos autistas. Os novos  tipos de testes psicométricos, introduzidos  por Spearman para gradação de um fator G de inteligência geral, e suas variações de  Cattel e Raven- matricial, são fortemente criticáveis, como por exemplo  em Gardner- 1993 sobre  “gênios  ( gifted ) , ou por não detectarem habilidades intelectuais específicas ou por não considerarem a memória de longo prazo,  elementos altamente desenvolvidos  nos autistas. Treffert, em 2009, em suas pesquisas sobre as Savant Disorders, encontrou que 50% dos sábios savants    ( conhecedores isolados muito específicos ) são autistas, com inegáveis capacidades artísticas, espaciais e  mnemônicas, ou pré-conscientes de informaçôes.  Treffert, pondo o autista como  elemento único de sua atenção, encontrou que 10% deles apresentam inequívocas habilidades de sábios savants.  O enfoque de Treffert é marcantemente fenomenológico, colocando o autista como entidade psíquica única dentro do universo das possibilidades mentais.                               
D-   A plena concordância com as abordagens  neurobiológicas de Hutt e Hutt, de 1964 a 1970, sobre  o chamado “hyper-arousal  approach” , o superdesenvolvimento  neural fetal, a participação sistêmica da ativação reticular ascendente como contato  pouco  seletivo do pobre ambiente amniótico e a ausência consentânea de estimulação precoce, basicamente com hipervalorização  dos batimentos cardíacos  e sons maternos e das décalages e encapsulamentos DIP com  possível sofrimento fetal (ou embrionário), e  introjeção superlativa dos estímulos ex-utero e do próprio exterior abdominal. A superinclusão informacional deste feto  designa um canal  espacial tipicamente telepático com o exterior e provavelmente, com  a própria  mente materna (canal aberto ou channeling ). Seria como  um ente local receptivo –perceptivo do conteúdo hiperdimensional da bolha hiperesférica  materna que o contém e com a qual está unido pelo desejo exclusivo da mãe.
E-    A sugestão de  Hutt e Hutt  de evitação ( avoidance ) de mecanismos externos supressores ou repressivos da livre manifestação autística, como tentativas errôneas de “curá-los”.
F-     A evidência histórica e, algumas vezes hipotética,  de que gênios- gifted  publicamente  festejados  com  alto desempenho como , Newton, Joyce,  Everett III, Wiener,  Michelangelo, Chico Xavier, Wittgenstein Mozart,  Majorana,  Garrincha,  Dirac,  Kubrick,  Darwin, Thomas Jefferson etc., e o próprio Einstein,  foram ou teriam sido autistas Asperger- Kanner  de alto funcionamento.

E, não devemos  esquecer que  na  ordem do tempo :

"O fluxo do tempo é uma ilusão aborrecida e persistente"
Albert Einstein