Tai Chi |
Parapsicólogo Clínico, Psicoterapeuta
I - Das Considerações Iniciais
Desde que iniciei a prática e o entendimento do que é chamado na China de Tai Chi Chuan nunca sequer escrevi um único ensaio sobre o assunto. Não saberia dizer porque, talvez porque encarasse a técnica como um recurso meditativo em prol da qualificação de minha saúde psíquica, emocional, mental, respiratória, bioenergética e física. Até o momento não me atentava para o potencial parapsíquico da prática até que passei por uma experiência que nunca tinha passado. Revisando minha memória, posteriormente, lembro-me de ter passado por uma experiência similar numa prática Zen Budista. E com o passar do tempo, fui estudar em literaturas especializadas de Tai Chi Chuan, especialmente as obras do mestre taoista Wu Jyh Cheng e do tratado mais aprofundado de Catherine Despeux. Nestas obras encontrei descrições similares à experiência que passei, e que passo a relatar aqui. A experiência é das mais estranhas e até mesmo supera a sua classificação como parapsíquica, e prefiro situa-la no rol de uma "experiência espiritual" (relativo ao espírito, alma).
II - Da Experiência
Aproximadamente no fim de 2011, creio ter sido em dezembro, estava num ritmo intenso de práticas diárias de Tai Chi Chuan e Chi Kung. Estava num nível alto de comprometimento com a prática. Realiza os movimentos em minha residência, situada na época, em meio a floresta atlântica, com acesso por trilha e a pé, rodeado de árvores e animais silvestres, muitos deles em extinção. O clima era muito favorável. Associado a isto tocava uma música muito suave, de Oliver Shanti, flauta, música pacificadora e estimulante à prática. As variáveis externas a mim eram estas, favoráveis, conjuntamente com o silêncio da floresta e ausência completa de sons urbanos.
Meu estado interno era calmo, porém enérgico. Estava na época a estudar o sistema do mestre Wu Jyh Cheng, e o que chamo aqui de ciência do Tai Chi Chuan, incluindo a tríade noção do eixo (eixo físico, psicológico e abstrato) e suas orientações de vivência do eixo, a relação com a ciência taoista, especialmente a cosmologia, a começar pelo Wu-Chi e em seguida, o Tai Chi e os movimentos. Comecei na época a tentar experimentar estes conceitos experimentalmente, testando-os. Mestre Wu citava um estado o qual chamava "Estado de Tai Chi", classificação fenomenológica não encontrada em literatura parapsicológica em nosso país.
Ao começar a prática, eu mesmo tentava induzir pela respiração calma um estado de acalmia interna, conscientizando-me do eixo físico, ao sentir-me ereto e enraizado com os pés no chão e a cabeça, coluna e ombros em postura adequada e tranquila; ao mesmo tempo a constatação do eixo psicológico, com intenção tranquila, força interior potente.
A prática foi dando prosseguimento e como nas demais vezes, os movimentos lentos e com alta intensidade de respiração (chi kung) geram em mim uma sudorese e calor interno (nos órgãos e vísceras internas) bastante intensos. Não sei em que parte da prática ocorreu. Em dado momento senti-me completamente lúcido, inteiramente consciente, com ausência absoluta de pensamentos, e fiquei não sei quanto tempo neste estado executando os movimentos sem pensamentos, como se estivesse transparente, quase "desmaterializado". Os movimentos eram executados de forma automática, como uma espécie de transe, porém, estava num nível de lucidez fora do comum. Porém, quando me dei conta do estado, sai imediatamente daquela vivência. Parecia que nada tinha mais sentido. Parecia que naquele momento nada era realmente importante como eu mesmo estava compreendendo a importância das coisas. A sensação é que tinha me desconectado de tudo e, ao mesmo tempo, tinha me re-ligado a tudo. A ausência absoluta de pensamentos e o puro sentimento de presença de consciência. A sensação é de que naquele momentum sem tempo, eu estava completamente alinhado, integralmente alinhado em todos os níveis, físico, psicológico e abstrato, assim como energético e intencional. É realmente muito difícil descrever tal experiência, e é semelhante as experiências de projeção Psi-P ou corpo mental.
Não tenho palavras adequadas para descrever tal sensação interna. Posso descrever dizendo que experimentei Kun, o eixo abstrato, ou mesmo o Kuan, experimentando o Tao, em transparência e interpenetração com o Todo. Creio que a partir da transparência dos sentimentos e acalmia mental, pude sentir-me consciência pura sem ego, mas em corpo, como se estivesse fundido de alguma forma com o cosmos, sem qualquer relação com as projeções de consciência cósmica pelo corpo mental. O máximo que poderia dizer é que vivenciei o que Mestre Wu chama de transparência: "sem sonolência nem fixação de idéias, sem palavras interiores nem concentração repressiva - é a transparência" (Wu, p. 22).
III - Da Reação Pós-Experiência e Busca de Entendimento
A reação pós-experiência foi de medo. Não um medo comum tal como os descritos nos tratados de psicopatologia. Um medo que veio da região abissal de dentro de mim, como uma espécie de "vapor consciente". Um medo da "hiperlucidez". E o pensamento vinha em mente me dizendo: "e agora?". Sem perceber ao certo, fiquei cerca de 1 ano sem praticar sequer uma vez o Tai Chi Chuan, até que um dia me lembrei do porque tive de deixar de realizar a prática até meu completo entendimento do fenômeno.
Antes desta experiência, eu lia as vivências estranhas do xamanismo Yaqui, descritas nas obras do antropólogo Carlos Castañeda, incluindo as práticas com os tais movimentos que eram ensinados pels xamãs do México antigo, movimentos que, sempre associei como práticas do xamanismo muito antigo, ligado aos índios e ao xamanismo Maia e que tinham completa relação com os movimentos e a ciência taoista do Tai Chi Chuan e mesmo o Chi Kung. Achava que realmente eram conceitos carregados de uma mística própria das tradições antigas do xamanismo, tanto dos indíos Yaqui como os antigos xamãs na China.
Os tratados de Tai Chi Chuan pertencem ao que os Taoistas chamavam de Neidan ou a alquimia interior que pode ser resumida assim: no baixo ventre, o meio do peito e o centro da cabeça, correspondendo aos 3 campos do cinábrio. No cinábrio inferior, a essência (jing), refinada converte-se em sopor (chi); no cinábrio médio, o sopro (chi) transforma-se em energia espíritual (shen) e, no cinábrio superior, a energia espiritual, refinada, reintegra-se na vacuidade (In Despeux, pp. 61 e ss.).
Desta forma, os mestres taoistas estudiosos do Neidan, foram desenvolvendo técnicas para se induzir estas 3 etapas da alquimia interior e o Tai Chi Chuan, por este motivo, se situa no rol das artes marciais internas, visto que o combate não se referia somente ao vencer o outro (como é o foco das artes marciais externas), mas o de vencer a si próprio ("aquele que vence os outros é forte, aquele que vence a si mesmo é poderoso" Lao Tzu).
IV - Das Considerações Finais
Então, e de forma a finalizar este pequeno ensaio, as 3 etapas de Neidan se aplicam integralmente ao Tai Chi Chuan enquanto método para se atingir Kuan ou o Estado Tai Chi. Senão vejamos a descrição contida nos tratados de Tai Chi Chuan:
"Quando há coincidência, cada vez mais perfeita, entre a execução de um movimento e a emissão, pelo coração, de sua representação mental, quando o corpo responde instantaneamente ao pensamento emitido, há automatismo do movimento e passagem ao inconsciente. Já não se faz necessário esforço consciente para executar o movimento nem para emitir o pensamento determinado que lhe corresponde. A "palavra do coração" (yi) se escoa por si só. Chegado a este estádio, o exterior já não perturba o adepto, cuja energia espiritual está concentrada. Já não tem vontade de mover-se segundo um esquema definido, mas responde instantaneamente às diferentes circunstâncias, e os movimentos executados, já não são, forçosamente Tai Chi Chuan. O adepto perde a consciência do eu e do corpo, mas ainda está consciente, o que não acontece nos estados de transe. Encontra-se num estado que ultrapassa a dualidade consciência/não-consciência, pois foi realizada a união dos contrários: interior e exterior, movimento e repouso, eu e o outro. É a união do Tao com a vacuidade." (p. 72, referente a terceira etapa: fusão da energia espiritual e retorno à vacuidade).
A sensação final de tal experiência é como se o "mundo" entrasse em colapso. Estas palavras me lembram a experiência que tive no Zen Budismo, porém em zazen, que me fez abandonar a prática, porque senti o mesmo medo profundo de colapso do mundo e da realidade.
Esta experiência estranha, narrada acima, do puro estado de lucidez no vazio do tempo, espécie de fissura no espaço-tempo, onde o espaço vivido além de ser o físico, o psicológico e o vazio ou abstrato, torna-se existente enquanto dimensão holocosmológica não situada nem no espectro da existência nem da não-existência, nem Yin, nem Yang, porém, é a experiência de Chung, o eixo integral, nos 3 níveis simultaneamente, tal como enfatiza o Neidan.
A sensação de colapso do mundo, como o pensamento "e agora?", se refere a uma perda de identificação com a realidade e uma percepção direta daquilo que vedanta chamava de Maya, ou a ilusão. O e agora?, se refere a como viver num mundo tal como o nosso "sabendo" Disso? A mesma descrição encontra-se nos compêndios antropológicos de Carlos Castañeda, como a interrupção do diálogo interno e do colapso da descrição do mundo, tal como estamos habituados vida após vida, para outra descrição, um mundo de pura consciência e energia.
Longe de ser uma experiência mística, esotérica ou qualquer outro nome que podemos dar, como algo tendente ao milagroso ou ao santo, ou revelador, a experiência do eixo integral, de ser-não-ser e de além de dualidade, parece uma experiência natural para aqueles que preconizam a evolução e a saúde, a busca honesta pelo sentido da Vida. Atualmente preparo-me para uma nova experiência desta natureza.