19.11.15

Samadhiologia: Esboço Inicial sobre a Ciência do Samadhi

Fernando Salvino (M.Sc)


Primeira parte:

I - Das Considerações Iniciais

O assunto Samadhi vem sendo mistificado desde muito tempo atrás, em muitos casos para tornar o "mestre" (ou falso mestre) uma figura santificada e superior ao insignificante iniciante do Yoga. O que precisamos ter em mente com toda nossa honestidade é que o samadhi é experiência universal e acessível a toda inteligência predisposta, não necessitando da ampla técnica do Yoga como acreditam muitos.

O samadhi sem semente, ou o samadhi direto, não raro como todo fenômeno parapsíquico e sua natureza de imprevisibilidade, ocorre quando a pessoa menos espera, em situações pouco convencionais. Obtive uma vez um samadhi desta natureza quando, contemplando a natureza da praia do Luz, em Imbituba/SC, após uma sessão intensa de surf de 8h seguidas, desde a manha até o fim da tarde, ininterrupta, pude, sentado no costão, compreender a unidade de tudo e a convergência de tudo para um único ponto. Foi um instante, um insight fulminante, para-intelectual, além de meu pensamento, adentrei no samadhi e acessei swadhyaya.

Porém, esta experiência é vivenciada por muitas pessoas, não raro, pessoas comuns que nem mesmo conhecem o Yoga e sua avançada sistemática para o samadhi. O samadhi espontâneo, não construído, até mesmo você pode ter vivenciado em algum momento de sua vida, mesmo que tenha vivenciado por segundos, míseros instantes, no vislumbre da possibilidade de ausência total de perturbações e sofrimento, e na vivência do êxtase da unidade viva e divina. E por mais estranho que possa parecer, o divino é um aspecto indissociável do samadhi, pela maravilha da vida sentida e compreendida neste instante que se situa além do espaço-tempo desta dimensão gravitacional do sofrimento humano.

Assim, iniciarei este ensaio situando o samadhi como uma experiência e mais que isso, um estado de profunda estabilização consciencial e lucidez contínua, serenidade, paz de espírito, ausência de ansiedade, angústia e todo sofrimento associado a memória, desejo ou aversão. É o estar aqui e agora integralmente em paz de espírito e êxtase. Porém esta paz de espírito e êxtase como venho estudando em mim mesmo e nas aulas de Yoga com meus queridos alunos, varia como numa escala de profundidade.

O samadhi então não é o mesmo samadhi para todos. Há níveis de samadhi dentro de um espectro que vai desde a dissolução inicial da flutuação da mente (interrupção inicial do diálogo mental interno) até a fronteira entre o samadhi holocósmico e o kaivalya. O samadhi é o espectro experiencial que varia de 0 a 100 (por exemplo), nesta hipótese inicial de estudo. O 0 neste caso, é a fronteira entre o primeiro vislumbre de paz de espírito e interrupção do fluxo de pensamentos-emoções e a perturbação interna. 100 é o último estágio do samadhi antes do kaivalya (holofusão propriamente dita). Da mesma forma, kaivalya também não é o mesmo kaivalya para todos. O kaivalya do ser encarnado (na condição intrafísica, orgânica) é diferente do kaivalya do ser desencarnado (na condição extrafísica, inorgânica). Até mesmo na condição extrafísica, o kaivalya pode ser o kaivalya do ser que ainda persiste no uso do veículo psicossoma (corpo astral) ou o kaivalya daquele que está livre das reencarnações, o qual usa da consciência livre ou o espírito puro na holofusão direta com Brahman ou Tao.

Patañjali não pode esclarecer estes aspectos no Yogasutras, que são aspectos mais específicos e emergentes da prática da meditação profunda. A vivência do samadhi aponta para uma escala progressiva e ascendente de holofusão. O Yoga taoista chama isto de 5ª regulação, ou a regulação do espírito (shen) até a refinação de shen (tai-ji) à wu-ji (kaivalya). A samadhiologia visa o entendimento espectral do samadhi e a compreensão do ponto onde se situa kaivalya.

Esta forma de lidar com o samadhi e com o Yoga evidenciam que estamos agora adentrando na ciência do Yoga como foi o intento de Patãnjali desde sua obra de arte, o Yogasutras. Aqui não iremos dar importância aos ensinamentos místicos e confusos dos falsos mestres que não exploram o assunto. Penetraremos no campo sem medo e com coragem de compreendermos esta vivência essencial para a humanidade e para a resolução definitiva de nosso sofrimento em direção a uma vida de maior êxtase e serenidade.


II - Da Definição Básica de Samadhi

O Samadhi foi assim caracterizado no compêndio de ciência do Yoga, chamado Yogasutras redigido pelo mestre indiano Patañjali, como objetivo da meditação intensa ou profunda (Samyama) e o começo do Kaivalya. Assim a meditação intensa visa produzir o samadhi e minimizar as perturbações. No entanto, como pesquisadores do Yoga, sabemos que o objetivo da sistemática do Yoga não é o samadhi. O Samadhi é a condição inicial do Yoga, ou melhor, seu primeiro nível. Este nível porém não é tão simples como imaginamos ao estudar a obra do mestre.

Samadhi é engloba uma ampla vivência, que varia em:

1. Intensidade
2. Profundidade
3. Transcendência
4. Natureza do saber acessado
5. Posição no espaço-tempo-dimensão-consciência-energia
6. Veículo (condição de coexistência holossomática da consciência intrafísica, extrafísica ou projetado)
7. Paz interna e Serenidade.
8. Proximidade ao kaivalya

Retornamos a definição de Yoga dada por Patãnjali:

Yoga é o recolhimento dos meios de expressão da mente (consciência). Ou noutra forma de compreendermos, o Yoga é a dissolução ou suspensão das ondulações da consciência ou das oscilações de lucidez. Podemos ainda compreender o Yoga como a conservação do estado de lucidez contínua a partir da dissolução da perturbação primária, ou a falta de sabedoria (no caso, a sabedoria interna e quanto ao universo).

Os meios de expressão são 5, na forma perturbada ou saudável: evidência, imaginação, inventividade, sono e memória.

A raiz de todas as perturbações é a "falta de sabedoria". A falta de sabedoria é decorrente da distorção da percepção clara da realidade, onde o sujeito confunde o puro com o impuro, o eterno com o transitório, bem estar no desagradável e individualidade naquilo que não é individual. A partir desta confusão ocorre o desejo, a aversão, a egoidade e o apego a vida como perturbações secundárias.

O Yoga visa dissolver a perturbação primária, ou a falta de sabedoria, a partir da correção da percepção correta da realidade. A busca do saber interno (dissolução da falta de sabedoria) associado à disciplina e ao desapego e a confiança na orientação interna (autoentrega) tem a finalidade de produzir o samadhi. E aqui chegamos no samadhi, dentro da concepção da ciência do Yoga.

Assim, a realização do Yoga ou sua efetivação prática se dá através de 3 pressupostos onde um é pre-requisito do outro:

1. Tapas: disciplina, perseverança no recolhimento (Yoga) e desapego (de tudo quanto atrapalhe o caminho do Yoga).

2. Swadhyaya: autoestudo, autopesquisa, autoinvestigação, busca do saber interno.

3. Entrega ao Içvara: autoentrega, viver de acordo com o saber interior, autorientação baseada no saber interior decorrente de swadhyaya.


III - Das Questões Básicas quanto ao Samadhi

O samadhi enquanto fenômeno é tão abstrato que necessita de parâmetros para que possa ser auto-estudado. Algumas questões:

1. Como você sabe que alcançou o samadhi?
2. O que é realmente o samadhi enquanto fenômeno parapsíquico?
3. O que ocorre com o corpo, com as emoções, com as energias, com a respiração, com o espírito durante o curso do que chamamos samadhi?
4. Quais as sensações subjetivas gerais do vivenciador do samadhi?
5. Quais as conexões entre consciência e holocosmo durante o curso do samadhi?
6. Qual a natureza da consciência sem pensamentos no curso do samadhi?
7. Porque o êxtase transcendental aparece no curso do samadhi?